Guia de palavras difíceis da impressão 3D
Um dicionário e guia de quem busca se aprofundar em todas as transformações físico e químicas que ocorrem entre o rolo do filamento e o bico da extrusora
Emanuel Campos
6/5/202511 min read


Introdução
Dos meus tempos de criança para adolescente ouvi uma destas histórias piadas, de que um nativo brasileiro veio conhecer a cidade, fez um largo passeio e cada coisa que via o deixava mais e mais abismado. Na hora de ir embora, lhe perguntaram se havia algo que ele gostaria de levar da cidade, e ele apontou na hora para uma torneira. Para ele era mágico algo que bastava girar e lhe dava água. E parecia funcionar em qualquer lugar!
A impressão 3D evoluiu muito desde que comecei nela em 2000. Primeiro foram as máquinas industriais que não tinham nenhuma obrigação em serem amigáveis. Rodavam em Windows NT ou UNIX, custavam fortunas e seus cursos, para simplesmente operá-las era de até 16 horas. Um software que pouco fazia além de escolher orientação da peça ou volume do preenchimento. A manutenção então, era uma loucura. Em 2009 vieram as máquinas RepRap, com o fim das patentes. Impressoras 3D de armar em casa, com armações de MDF ou acrílico cortadas a laser, circuitos programáveis, e que envolviam conhecimento de arduino, python, eletrônica e, claro, modelagem 3D.
Em 2023 as impressoras sofreram nova revolução e são finalmente tão simples de instalar e operar quanto uma impressora comum, dessas de papel. Colocar na tomada, colocar no WiFi e aproveitar. O resultado é que essas impressoras não estão mais restritas a apenas usuários geeks ou nerds, agora é a era do "cinema novo" da impressão 3D, uma ideia na cabeça e uma impressora 3D ao alcance das mãos você cria o que desejar. Principalmente depois do advento da Bambu MakerLabs, uma série de recursos baseados em matemática paramétrica ou em inteligência artificial, literalmente qualquer pessoa pode imprimir hoje em dia, o que desejar.
Tanta facilidade porém, pode nos transformar naquele nativo brasileiro, que sem entender como funcionava a torneira e tudo que estava por detrás das paredes, achava que bastava girá-la para ela produzir água. A impressão 3D se dá por diversos processo físicos químicos, através dos quais um material é sinterizado, curado ou fundido para transformar pixels em peças. Entender o que acontece nos bastidores não apenas nos permite operar melhor estes sistemas, como também nos capacita a aventar novos usos e novas aplicações.
Lá na queda das patentes, em 2014 fui convidado por Benevaldo Padovanni para a primeiro feira dedicada a impressão 3D internacional a ser realizada no país, a Inside3DPrinting, e meu tema para esta feira foi "Como as impressoras RepRap desbloqueiam os limites de materiais", e trouxe lá a impressora que usava uma lupa gigante para focar um raio solar e assim, sinterizar a areia do Saara para produzir uma peça de vidro. Estudantes criaram uma impressora para depositar terra fertilizada e com sementes, para produzir jardins com formas complexa. A MarkForge surgiu naquela época, como startup, com sua impressora que produzia fibra de carbono através da impressão de suscessivas lâminas de material sobrepostas e cruzadas. Foi um período de inovação e experimentação como nunca antes. E que paradoxalmente, a simplificação do uso da impressora 3D pode colocar a perder.
Foi com isso em mente que pensei em publicar esta semana, o dicionário das palavras longas, um guia para auxiliar as pessoas a entenderem o que está ocorrendo na impressora por FFF, Fabricação por Filamento Fundido, o termo open-source para FDM - Modelagem por Deposição de Fundido.
ANISOTROPIA
As peças feitas por impressão 3D são criadas por camadas depositadas continuamente, uma sobre a outra. Desta forma, quando a força aplicada sobre a peça for paralela às camadas, a peça terá a máxima resistência possível. Porém, quando a força aplicada por perpendicular às camadas, a peça estará no seu eixo de menor resistência, pois a força tenta separar as camadas umas das outras. Ver também Isotropia; Trópico; ISO.
CALOR ESPECÍFICO
Quantidade de calor necessária para elevar a temperatura de um grama de uma substância em um grau Celsius (ou Kelvin). Representado pela letra 𝑐, é expresso em joules por grama por grau Celsius (J/g·°C) ou outras unidades equivalentes. Cada material tem um calor específico característico, influenciando sua capacidade de armazenar e transferir energia térmica.
Exemplo prático: a água tem um calor específico alto (~4,18 J/g·°C), o que significa que ela demora mais para esquentar e esfriar comparada a muitos outros materiais, tornando-a ideal para climatização e regulação térmica.
CALORIA
Definimos por 1 cal a quantidade de energia necessária para elevar em 1oC o volume de 1 cm3 de água, partindo do cntp (condições normais de temperatura e pressão), para fins normativos, estabelecida em 23oC.
CNTP
Referência padrão utilizada na ciência para descrever temperatura e pressão ambiente controladas em experimentos e cálculos. Convencionalmente, define-se: 🔹 Temperatura = 0°C (273,15 K) 🔹 Pressão = 1 atm (101,325 kPa)
Essas condições são amplamente usadas em química, física e engenharia para padronizar medidas de gases e propriedades de substâncias. Diferente de outras referências, como TAP (Temperatura e Pressão Ambiente), que considera valores próximos às condições reais de laboratório.
Exemplo: Em CNTP, 1 mol de gás ideal ocupa 22,4 L.
Coesão molecular
No contexto da manufatura aditiva por FDM (Fused Deposition Modeling), a coesão molecular pode ser expressa como a capacidade das cadeias poliméricas de se unirem firmemente durante a deposição das camadas. Esse fenômeno é essencial para garantir uma estrutura sólida e reduzir fragilidades na peça impressa.
A coesão molecular no FDM depende de fatores como:
Temperatura de extrusão: Deve ser suficientemente alta para permitir a fusão adequada do material e promover a difusão entre camadas.
Adesão entre camadas: As interações intermoleculares entre filamentos fundidos influenciam diretamente a resistência mecânica.
Velocidade de impressão e resfriamento: Taxas inadequadas podem comprometer a fusão e provocar defeitos estruturais.
DENSIDADE ESPECÍFICA
Chamamos de densidade específica ou gravidade específica a massa de um material, seu peso, na forma de um cubo de um centímetro de arestas, totalmente sólido/preenchido. A água, para referência tem a densidade específica de 1 g/cm3. O PLA tem a densidade específica de 1,24 g/cm3 e o ABS de 1,06 g/cm3. O Polipropileno tem densidade específica de 0,96 g/cm3. Assim temos como comparar quais materiais são mais densos ou mais leves, e também entendemos que ao comprar 1kg de PLA recebemos menos PLA que um 1Kg de ABS, afinal eles possuem densidades diferentes, e por consequência, precisa-se mais ABS para chegar a 1Kg do que se necessita de PLA.
DfAM - Design for Additive Manufacture (projetar para manufatura aditiva)
DfAM é a técnica que consiste em produzir produtos desde seu projeto já pensados nas limitações e características produtivas da impressora 3D. Se for projetar um copo, a espessura de parede deste copo, para impressoras de 0,4mm de bico, deve ser ou 0,8mm ou 1,2mm, já que são larguras padrões à largura da fita depositada por este bico, independente da altura da camada. Mesmos conceitos se aplicam para ângulos de auto-sustentação e distâncias em pontes, para minimizar suportes.
ENTALPIA DE EVAPORAÇÃO
Quantidade de energia térmica necessária para transformar uma substância do estado líquido para o estado gasoso, sem variação de temperatura. Expressa em joules por mol (J/mol) ou joules por grama (J/g), depende da pressão e da natureza da substância. Também denominada calor latente de vaporização.
A água fervendo está diretamente relacionada à entalpia de evaporação, pois, ao atingir 100°C sob pressão atmosférica normal, a água começa a se transformar em vapor. Esse processo de mudança de fase requer a absorção de uma quantidade específica de energia térmica sem variação de temperatura, que é justamente a entalpia de evaporação.
ENTROPIA
Conceito da termodinâmica que mede o grau de desordem ou aleatoriedade em um sistema. Relaciona-se à segunda lei da termodinâmica, onde sistemas tendem ao aumento da entropia ao longo do tempo.
HdT (Heat Deflection Temperature)
Ver Temperatura de Deflexão térmica
HIGROSCOPIA
Propriedade de certos materiais de absorver e reter umidade do ambiente. Substâncias higroscópicas interagem com o vapor de água presente no ar, podendo alterar sua composição física ou química.
ISO
O prefixo "iso-" vem do grego ἴσος (ísos), que significa "igual" ou "mesmo". Ele é usado em diversas palavras para indicar igualdade ou uniformidade. No caso do triângulo isósceles, o termo reflete o fato de que ele possui dois lados de mesma medida.
A palavra isósceles deriva do grego ἰσοσκελής (isoskelḗs), que significa "de pernas iguais" (ísos = igual + skelos = perna). Isso descreve perfeitamente a característica do triângulo isósceles, que tem dois lados de mesmo comprimento.
Esse prefixo também aparece em outras áreas, como:
Isotérmico (temperatura igual)
Isótopo (mesmo número de prótons)
Isométrico (igual medida)
ISOTRÓPICO
Refere-se a um material ou fenômeno que apresenta as mesmas propriedades em todas as direções. Ou seja, suas características físicas, como condutividade térmica, elasticidade ou índice de refração, não variam conforme a direção em que são medidas. Ver também Anisotropia; Trópico; ISO.
Pellets
Pequena partícula sólida, geralmente esférica ou cilíndrica, utilizada como matéria-prima na indústria de polímeros. Os pellets são produzidos por processos de extrusão e corte, facilitando o transporte, armazenamento e processamento de plásticos. São amplamente empregados na fabricação de produtos plásticos por meio de técnicas como injeção, extrusão e moldagem por sopro.
PLÁSTICOS
Os plásticos podem ser classificados em termorrígidos e termofixos, mas há uma distinção entre esses termos:
Plásticos termofixos são aqueles que, após a moldagem e endurecimento, não podem ser remodelados pelo calor. Isso ocorre porque sua estrutura química forma ligações cruzadas irreversíveis. Exemplos incluem baquelite, poliuretanos e resinas epóxi. São amplamente usados em peças resistentes ao calor e produtos duráveis.
Plásticos termorrígidos é um termo menos comum e, muitas vezes, usado como sinônimo de termofixos. Entretanto, em algumas classificações, pode referir-se a qualquer plástico que se mantém rígido após o processamento.
POLÍMERO
A palavra polímero vem do grego πολύς (polýs, que significa "muitos") + μέρος (méros, que significa "partes" ou "segmentos"). Assim, "polímero" literalmente significa "muitas partes", o que descreve perfeitamente a estrutura dessas moléculas.
Os polímeros são compostos formados por unidades repetitivas chamadas monômeros, que se ligam por meio de reações químicas para formar cadeias longas. Esse conceito é fundamental em química e engenharia de materiais, sendo a base para plásticos, borrachas, proteínas e até o DNA!
PONTO VÍTREO
Refere-se à temperatura na qual um polímero amorfo (ou a fase amorfa de um polímero semicristalino) passa do estado vítreo (rígido e quebradiço) para um estado borrachoso e flexível.
SUBLIMAÇÃO
A sublimação é um processo físico, pois envolve apenas a mudança de estado da matéria sem alteração na composição química da substância. Nela, um material passa diretamente do estado sólido para o estado gasoso, sem passar pelo estado líquido. Esse fenômeno ocorre quando as forças intermoleculares são fracas o suficiente para permitir essa transição sob determinadas condições de pressão e temperatura.
Exemplo clássico: o gelo seco (dióxido de carbono sólido) sublime ao ser exposto ao ambiente, formando gás carbônico sem se tornar líquido. Outro exemplo comum é a naftalina, usada em produtos anti-traça. Os polímeros não possuem fase líquida, passando de sólidos à gasosos, sublimando, por tanto.
TEMPERATURA DE DEFLEXÃO TÉRMICA (do inglês HdT - Heat Deflection Temperature)
Ela representa a temperatura na qual um material, geralmente um polímero ou plástico, começa a sofrer deformação sob carga específica. É uma métrica importante para avaliar a resistência térmica de plásticos em aplicações estruturais e industriais.
TEMPERATURA DE ENSAIO MECÂNICO
A norma ISO 6892-1 define que os ensaios mecânicos de tração em metais devem ser realizados à temperatura ambiente. Isso significa que, salvo especificações diferentes para determinados materiais ou aplicações, os testes seguem condições padrão sem controle térmico adicional.
A norma ISO 6892-1 estabelece que os ensaios de tração em metais devem ser realizados à temperatura ambiente, mas não define um único valor fixo. Em geral, considera-se uma faixa entre 10°C e 35°C, sendo 23°C um valor frequentemente utilizado como referência.
Entretanto, há variações para diferentes faixas de temperatura:
ISO 6892-1 → Ensaio a temperatura ambiente.
ISO 6892-2 → Ensaio a temperatura elevada.
ISO 6892-3 → Ensaio a temperaturas baixas.
ISO 6892-4 → Ensaio em hélio líquido (temperaturas extremamente baixas).
TEMPERATURA DE EXTRUSÃO
A temperatura de uma extrusora de impressão 3D não é determinada diretamente pelo ponto vítreo (Tg), mas sim pela temperatura de fusão (Tm) ou pela faixa de viscosidade ideal do polímero. O tg é relevante para entender o comportamento mecânico do material, mas na impressão 3D, o polímero precisa estar fluído o suficiente para ser extrudado, o que ocorre em temperaturas bem acima do ponto vítreo.
Materiais semicristalinos (ex: Nylon, PETG, PEEK) → A temperatura da extrusora é definida pelo Tm (quando a fase cristalina se funde).
Materiais amorfos (ex: PLA, ABS, PC) → Não possuem um Tm definido, então a temperatura de extrusão depende da mobilidade molecular acima do Tg.
Exemplo:
PLA (~60°C de Tg, mas extrusão ocorre entre 180-220°C).
ABS (~105°C de Tg, mas é impresso a 230-260°C).
PEEK (~143°C de Tg, mas necessita de mais de 360°C para extrusão).
A escolha da temperatura ideal depende da fluidez, adesão entre camadas e características finais do material impresso.
TEMPERATURA DE FUSÃO
Temperatura na qual um material passa do estado sólido para o estado líquido, mantendo equilíbrio térmico entre as fases. Durante a fusão, a energia fornecida é usada para romper as interações entre partículas sem elevar a temperatura até que a transição esteja completa. Lembrando que polímeros não possuem estado líquido, e que sublimam ao ultrapassar a temperatura de fusão. Ver Sublimação. Ver Ponto vítreo.
TEMPERATURA DE TRANSIÇÃO VÍTREA
Ver Ponto Vítreo
Tribologia
Ramo da ciência e engenharia que estuda o atrito, o desgaste e a lubrificação de superfícies em contato relativo. A tribologia desempenha um papel crucial na otimização da eficiência mecânica e na redução de danos materiais, sendo aplicada em setores como a indústria automotiva, aeroespacial e manufatureira.
TRÓPICO
A palavra trópico vem do latim tropicus, que por sua vez deriva do grego τροπικός (tropikós), que significa "relativo a uma volta" ou "giro". Esse termo está ligado ao conceito de mudança de direção, referindo-se ao ponto em que o Sol atinge sua máxima declinação e começa a "retornar" ao longo do ano.
No contexto geográfico, o Trópico de Câncer e o Trópico de Capricórnio marcam as latitudes onde o Sol está diretamente acima no solstício de verão de cada hemisfério. Assim, o nome está ligado ao movimento aparente do Sol, que "tropeça" ou muda de direção nesses limites da zona tropical.
Warping
Fenômeno de deformação ou distorção que ocorre em materiais devido a variações térmicas, tensões mecânicas ou processos inadequados de fabricação. No contexto de polímeros, o warping pode se manifestar como torção ou empenamento de peças moldadas, afetando a precisão dimensional e a qualidade do produto. Técnicas como o controle da temperatura e o ajuste de parâmetros de processamento ajudam a minimizar esse efeito indesejado.
Em conclusão:
Essa newsletter ficou gigantesca, e optei por partir o assunto em duas partes. Esta semana fica a semente de um dicionário de termos técnicos para a impressão 3D, capítulo especial, palavras longas. Na próxima semana veremos estes termos aplicados e em ordem cronológica dentro do processo de extrusão por FFF (Fabricação por Filamento Fundido), por isso, se não assina ainda a newsletter, assine djá!